Ônus da prova


Por: Wagner Dias Ferreira

Esta postagem foi publicada em 23 de June de 2014 e está arquivada em Colunas, Colunas/Colunistas.


Existe, no Direito Brasileiro, um princípio de que o “ônus da prova incumbe a quem alega”. Por isso é sempre obrigação do Ministério Público, utilizando-se do aparato policial, judicial e da própria instituição ao seu dispor para comprovar suas acusações firmadas na denúncia, documento técnico elaborado pelo Promotor de Justiça para iniciar o processo judicial criminal.

No entanto, a prática forense brasileira vem negando vigência a este princípio porque o produto dos inquéritos policiais não é analisado adequadamente pelos magistrados que recebem as conclusões das peças policiais já como determinação absoluta do que deverá ser a sentença judicial.

O comportamento dos magistrados brasileiros faz lembrar uma conduta dos ministros religiosos quando analisam uma passagem do livro dos Atos dos Apóstolos onde está uma conversa de Felipe com um homem da Etiópia.

Na passagem bíblica, Felipe, caminhando ao lado do homem etíope, faz a abordagem ao homem que lia o texto do profeta Isaías. O texto de Atos diz que Felipe apenas caminhava, e sobre o etíope claramente diz que este lia o texto do profeta Isaías. Muitos ministros religiosos ao ler esta passagem se prendem à intrepidez de Felipe. No entanto, quem estava na realização de um ato de fé era o homem da Etiópia. Porque ele investigava, apesar de ainda não compreender o texto do profeta. A justiça tem adotado a mesma prática dos ministros religiosos, preterindo muitas vezes a investigação dos fatos para valorizar a suposta “intrepidez” ou o “tirocínio policial”.

Este comportamento não só facilita muito o trabalho do Ministério Público que fica isento de provar o que alega, como impõe aos réus em processos judiciais o ônus de provar sua inocência, negando vigência ao princípio geral do direito de que o “ônus da prova incumbe a quem alega”.

Na passagem das escrituras o homem da Etiópia ao ler o texto do profeta Isaías está praticando uma conduta que demonstra sua fé. Se a fé sem obras é morta, demonstrada a obra, a fé é presente. O homem da etiópia se antecipa em mostrar a sua fé. Ele não mostra que tem fé após o batismo, mostra antes.

O Direito Brasileiro está a sofrer com procedimentos semelhantes. No inquérito policial, a polícia estabelece primeiro um suspeito e conduz as investigações para provar que o suspeito se enquadra na acusação. Não há uma preocupação com a observação das evidências que estão ali antes do estabelecimento de um suspeito.  Tanto assim que é lugar comum no processo criminal que uma série de evidências somente chega ao processo, para análise seja pelo Ministério Público, seja pela Defesa ou mesmo pelo Juiz, quando o processo  já está em andamento, ou mesmo depois da sentença.

Certa feita foi possível ver em um processo de acusação de homicídio chegar aos autos já com a instrução encerrada um laudo de constatação de local afirmando que havia sido suicídio.

Outro fator de violação do princípio do ônus da prova tem um exemplo simples e que está exposto claramente no Art. 222, § 1º. do CPP, que disciplina a dinâmica das cartas precatórias, onde fica facultado ao magistrado o encerramento do processo e prolação de sentença mesmo que esteja pendente a produção de uma prova.

Neste aspecto, o que se observa é que na prática quando a prova interessa ao Ministério Público espera-se a sua produção integral, no entanto, quando é de interesse da Defesa nem sempre se aguarda a produção completa da prova para pronunciar a sentença, produzindo nos processos um tratamento desigual entre as partes.

Este é um aspecto em que o processo penal brasileiro necessita de aperfeiçoamento, para garantir vigência ao princípio do “ônus da prova incumbe a quem alega” garantindo-se a plena produção da prova às partes.

 

* Advogado e membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/MG


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